A fibromialgia é uma patologia suscitando muito destaque em consultório: é raro o dia onde não se recebe um paciente com este diagnostico.
E falando de diagnostico, ai é que a situação se complica : do reumatologista ao clínico geral que não comunicam, do paciente que duvida do diagnostico ao que acredita incondicionalmente, das juntas médicas à segurança social que não conhecem os direitos dos doentes fibromialgicos, da opinião publica aos programas de entretenimento da manha/tarde que vêem nesta patologia uns contornos puramente do foro psicológico.
Por minha parte e como pequeno osteopata, irei partir de um facto adquirido : a fibromialgia foi classificada pela Organização Mundial de Saúde em 1990 e reconhecida em 1992 como doença reumática.
No entanto subsistam muitas perguntas : o que é a fibromialgia? É uma doença nova que apareceu com os tempos modernos? Como é que se trata? É igual para todos os doentes?
O que é :
Retomando os termos da Sociedade Portuguesa de Reumatologia, a fibromialgia é uma doença crónica ainda que os seus sintomas variem em intensidade e possam mesmo desaparecer ou diminuir temporariamente para reaparecerem mais tarde. Essas variações podem estar relacionadas com mudança de tempo, ambiente frio, alterações hormonais, stress, depressão, ansiedade ou um esforço maior que o habitual.
A gravidade dos sintomas torna esta entidade clínica não só debilitante como também, frequentemente, incapacitante, embora o doente aparente muitas vezes estar bem. Por falta de divulgação, muitos médicos não reconhecem ainda esta doença, o que implica que muitos doentes não estejam sequer diagnosticados ou estejam mal diagnosticados e sofram, em silêncio, não só os sintomas como também a incompreensão e a discriminação decorrentes da doença.
Eu, venho à considerar a fibromialgia como uma patologia músculo-esquelética do tipo síndrome da dor miofascial ou fibrosite, ou seja uma patologia migratória que não compromete as articulações apesar da notória rigidez, mas que atinge as fibras musculares com outros sintomas à mistura.
A fibromialgia atinge cerca de 2 à 8% da população na razão de 5 mulheres para 1 homem, estimando-se entre 300 à 500 mil doentes em Portugal apesar dos escassos estudos realizados. O histórico familiar é encontrado em 30% dos casos, o que pode vir a sugerir um carácter genético, no entanto não existem padrões étnicos, de idade, de grupo socioeconómico.
Esta doença não surgiu com o novo milénio, apenas a incidência e o interesse têm vindo à aumentar apontando para diversas relações como o aumento do stress, a poluição, alterações ambientais e as modificações alimentares.
Clinicamente :
O inicio dos sintomas é próprio à cada paciente (etiologicamente as causas são desconhecidas), no entanto por experiência existe maioritariamente uma relação com um factor emocional: um divorcio, a morte de um ente querido, uma mudança radical de vida, momentos que provocam um stress emocional. Talvez seja por este motivo considerada nos primeiros tempos como algo do foro psicológico, desvalorizada e catalogada de síndrome pseudo depressivo. Tende-se à descrever também que possam contribuir patologias imunológicas, desregulamentos hormonais ou nervosos, lesões de esforço repetitivo, cirurgias, acidentes …
Cada paciente apresenta um quadro de sintomas diferentes e que varia ao longo da vida do doente, tornando o tratamento mais complicado.
Alias, preferimos o termo síndrome fibromialgico por se tratar de um conjunto de sintomas, sem ligação fisiológica e afectando partes do corpo diferentes.
Os principais sintomas são :
- A dor : descrita como um ardor, queimadura, pontada muscular profunda, picada ou latejamento, é crónica e difusa, mais intensa de manhã, variando com a intensidade dos esforços, a meteorologia, o sono e a parte emocional.
A dor é associada à uma rigidez ao acordar e ao manter prolongadamente a mesma posição , o que leva frequentemente à ser confundida com artrite reumatóide.
Como veremos no diagnostico, existe uma cartografia precisa de 18 pontos dolorosos sensíveis ao toque e à pressão.
- A fadiga : presente em 80% dos doentes com fibromialgia, é na minha opinião o que assusta mais o paciente e o que faz temer o futuro. Não se trata de uma fadiga aguda que ocorre apôs um exercício físico intenso, é uma fadiga persistente de maior intensidade ao acordar e que dificulta as tarefas mais simples do dia à dia. Este cansaço crónico, esta falta de energia não desaparecem com o repouso, e levam o doente à exaustão mental. Ouço no consultório frases como “ não tenho forças para lavar os dentes ou vestir as crianças para a escola”, “quando o meu marido chega do trabalho estou deitada, sem o jantar pronto, sem energia e irritada comigo própria”.
- Alterações no sono : os pacientes descrevem um sono não reparador, acordando mais cansados que quando se deitaram : trata-se de sono “alfa-delta”. Descobriu-se que na fase mais profunda de sono dos doentes com fibromialgia (a fase de descanso que permite recuperar vitalidade e propriedades musculares), existe uma interferência nas ondas cerebrais que acordam o paciente sem ele se aperceber. Mais, em pacientes sãs, reproduziu-se estes fenómenos no sono de indivíduos normais, que vierem à desenvolver os pontos musculares dolorosos característicos da fibromialgia (estudo realizado pelo Dr. Harvey Moldofsky -1995).
- Distúrbios emocionais : durante longos anos os pacientes com fibromialgia foram diagnosticados de doentes do foro psicológico, dado ao facto de todos os exames (analises sanguíneas, radiografias….) revelarem um bom estado geral. Ao fim de um certo tempo, familiares, colegas de trabalho, e até profissionais de saúde (juntas médicas, médicos) duvidam desta doença “invisível”. Esta incompreensão coloca os doentes em estados depressivos, com baixa auto-estima, culpa excessiva, irritabilidade e ansiedade.
- Síndromes miofasciais : as crises de fibromialgia são provocadas por dores musculares. Estes famosos pontos dolorosos ou pontos gatilhos que já referimos, atingem uma região do corpo onde o musculo esta contraído com irradiações nas pernas, braços de tipo formigueiros, dormências.
Durante as crises de fibromialgia, o doente sente dores à mobilização, por isso como o alivio surge quando se deita, tendem à passar muitas horas na cama, com total descanso. No entanto, esta ideia é completamente errada, pois a imobilização reduz a flexibilidade e mobilidade o que aumenta a dor e o aparecimento de síndromes miofascais. Ou seja, quanto mais tempo passar acamado, mais dificuldade terá em retomar as actividades do dia à dia : é o efeito circulo vicioso de dor > imobilização > perda de flexibilidade e fadiga muscular > agravação da dor.
- Alterações cognitivas : dificuldades de concentração, falta de memoria, confusão mental
- Outras perturbações : 50% dos doentes sofrem de enxaquecas e tonturas, 50 à 70% referem transtornos gastrointestinais ( gazes, obstipação, síndrome cólon irritável), tais como intolerância à cheiros, medicamentos, ruídos e luzes intensos.
O diagnostico :
A dificuldade em diagnosticar a fibromialgia resulta na ausência de exames radiológicos ou laboratoriais que confirmem ou excluam a doença. O diagnostico é baseado nas queixas do doente, no seu historial clínico e no exame físico, sendo sinais subjectivos que são facilmente associado à outras patologias.
No entanto, considera-se os seguintes critérios :
- Duração superior à 3 meses
- Dor generalizada no corpo
- Dor à palpação em 11 dos 18 pontos gatilhos
e pelo menos dois dos quatros sintomas seguintes :
- Fadiga 2. Perturbações emocionais. 3. Alterações de sono. 4. Dores de cabeça
O tratamento médico :
Penso que o ponto mais importante para o doente com fibromialgia seja encontrar um médico familiarizado com a patologia, que acredite as queixas, que entenda as limitações e que coloque um nome na doença. Apelidar de fibromialgia é fundamental.
Não existe uma terapêutica-padrão, cada doente necessita de um tratamento multidisciplinar adaptado às suas dores e alterações.
Por mais que custe dizer aos pacientes, a fibromialgia não se cura, o objectivo é melhorar a qualidade de vida e visa à diminuir a influencia dos sintomas no dia à dia.
Por norma, o tratamento consiste em anti-inflamatórios, relaxantes musculares, antidepressivos, ansiolíticos, estimulantes e terapêutica hormonal, em associação com exercício físico. Relembre-se que se trata de uma patologia reumática, por isso consulte um reumatologista, e caso seja indicado acompanhe-se de um psiquiatra.
O tratamento em Osteopatia :
Como leram em outros artigos, acreditamos no tratamento multidisciplinar, e a fibromialgia é a patologia que melhor exemplifica os benefícios da complementaridade de especialidades.
A osteopatia intervém em vários aspectos:
- Os pontos dolorosos : estes ponto gatilhos são assimilados aos trigger points, ou seja nódulos fibrosos musculares que provocam um síndrome miosfascial. Alias as causas apontam para a mesma origem, tensão psíquica, stress e secreção importante de acetylcholina aumentando a actividade simpática do sistema nervoso e a contracção crónica das fibras musculares. O tratamento osteopatico consiste em relaxar e flexibilizar a musculatura e destruir o ponto manualmente com pressões especificas, respeitando a fisiologia de cada musculo e estimulando sua enervação.
- O equilíbrio postural : os doentes com fibromialgia apresentam uma instabilidade articular associada à uma ligeira rigidez. O método terapêutico fundamenta-se na mobilização articular passiva, na correcção de jogos articulares e no alinhamento vertebral : procura-se a estabilidade do sistema esquelético e estimula-se assim a enervação do sistema muscular profundo. Alem da fibromialgia, o organismo é submetido à todas as perturbações esqueléticas do nosso dia à dia, sejam torcicolos, entorses ou lombalgias, no entanto com um sistema sobrecarregado em sinais dolorosos e com dificuldade em se adaptar, um ligeiro desconforto articular torna-se significativo : trata-se de impedir o desenvolvimento de outros transtorno músculo-esqueléticos
- Tonificação e reforço muscular : o que leva um doente fibromialgico à consultar em osteopatia são as dores musculares. Apesar do tratamento dos pontos dolorosos, é indispensável com ajuda de técnicas neuromusculares para robustecer as fibras musculares de tipo 1 que estão na base do nosso equilíbrio. Deve-se associar igualmente um trabalho de desenvolvimento muscular através de técnicas de posição facilitada e de uma reeducação global estática contra resistência para ampliar o vigor muscular.
- Arcada dentaria e equilíbrio : a articulação temporomandibular é fundamental para o nosso equilíbrio : um desvio da mandíbula no eixo vertical gera um desequilíbrio postural e muscular. São numerosos os casos de futebolistas profissionais à recorrerem ao uso de goteiras dentarias afim de intensificar a recuperação física e prevenir futuras lesões.
Em consultório desenvolvemos, em parceria com dentistas e laboratórios protésicos, um dispositivo corrigindo tanto os desvios como o contacto dos arcos dentais em associação do tratamento osteopático. Em osteopatia a intervenção situa-se na correcção articular da zona cervical, no relaxamento do musculo temporal e masseter, no alinhamento da articulação temporo mandibular e no estimulo do nervo trigémeo.
Para concluir, a eficácia das técnicas manuais é plebiscitada pelos pacientes, que vêem nesta abordagem melhorias no seu esquema corporal e postural e um aumento das suas capacidades musculares e físicas nas tarefas do dia-a-dia. No entanto, estas melhorias corporais resultam do trabalho estreito com o reumatologista e o uso apropriado da medicação que permitem aumentar o desempenho de ambos e manter os resultados no tempo. Do mesmo modo, a interligação da fibromialgia com o foro psicológico determina o seguimento psiquiátrico do paciente. O desporto, o pilates, a hidroginastica são igualmente actores no combate à esta doença.
Por fim, é fundamental batalhar com os preconceitos : a fibromialgia é uma doença, não é uma obsessão de estar doente ou uma afecção inventada pela dona de casa.
Este artigo é o primeiro passo para se falar de fibromialgia na comunicação social, alias porque só julgamos ou mal interpretamos aquilo que não conhecemos.
Nota : A Osteopatia não se substitui à consulta do seu médico e ao uso de medicamentos.